CONGRESSO OMISSO E JUDICIÁRIO POLITIZADO: O COMEÇO DO FIM?
CARTA ABERTA AO CONGRESSO NACIONAL
Senhoras e Senhores Congressistas,
Em seu best seller “Como as Democracias Morrem”, o cientista político Steven Levitsky e o professor Daniel Ziblatt, ambos da Universidade de Harvard, afirmam: “Desde o final da Guerra Fria, a maior parte dos colapsos democráticos não foi causada por generais e soldados, mas pelos próprios governos eleitos.” Segue-se uma lista de países, onde aparecem três da América Latina: Venezuela, Nicarágua e Peru. Na edição de 2018, o Brasil não constava da lista.
O Congresso Nacional, infelizmente, está contribuindo para a trágica constatação desses autores, ao se omitir em graves situações que ameaçam a democracia brasileira. Corremos o risco de estar na lista dos países que deixaram de ser democracias, já na próxima edição.
Esta possibilidade nasce da natural divergência de interesses entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo, poderes eleitos simultaneamente e democraticamente, porém sem compromissos com um programa único para o Governo.
Numa democracia firmemente ancorada na Constituição, as diferentes visões seriam discutidas por negociações entre os dois Poderes eleitos e materializadas em decisões majoritárias, livres e coerentes com suas visões, pelos votos de Vossas Excelências e decorrente sanção presidencial.
No entanto, atualmente, as negociações não têm caminhado ou, pior, têm seguido atalhos não republicanos e, num certo momento, acabam sendo “judicializadas”, aspas preocupantes, por conta da atuação politizada do Poder Judiciário.
No Brasil atual, o cenário exposto é a gênese da destruição da democracia. O Supremo Tribunal Federal está se transformando rapidamente numa instituição política, chamando a si, ao arrepio de sua competência constitucional, lides de outros foros e instâncias.
Não são apenas princípios de Justiça e razões do saber jurídico que movem suas decisões; elas estão cada vez mais contaminadas pelos interesses de grupos políticos. Em tempos de polarização, como agora, é visível e comprovável que a interpretação jurídica também tem contorcionismos lógicos para a ela se submeter.
Citamos dois casos recentes de intervenções do STF que claramente demonstram esta contaminação por disputas políticas.
O episódio de 8 de janeiro de 2023
A prisão de 1.434 brasileiros durante a invasão e quebra-quebra dos prédios públicos na Praça dos 3 Poderes, em Brasília, acusados de tentativa de golpe de estado, é um dramático exemplo.
O ex-Ministro dos governos Lula e Dilma, Aldo Rebelo (1), em artigo publicado no jornal digital Poder360 (2), se posicionou como segue:
O artigo é rigorosamente fundamentado. “Desautorizar uma narrativa” é uma conclusão lógica irretorquível. Entendemos a expressão como um modo educado do ex-Ministro Aldo Rebelo dizer aos Ministros do STF que, ao promover a identidade “8 de janeiro = golpe de Estado” não demonstraram notório saber jurídico, mas evidenciaram sua preferência política.
Para ser “golpe de Estado”, de acordo com os princípios adotados por uma plêiade de renomados cientistas políticos citados, seria necessária a presença de representantes de órgãos do Estado, nas referidas manifestações. E, no 8 de janeiro, ocorreram atos de vandalismo, provocados como sempre por minoria dos participantes, mas não havia ninguém representando a autoridade do Estado.
Transcrevemos o que também registrou o ex-Ministro Aldo Rebelo: “No assim chamado 8 de janeiro ocorreu uma manifestação política de cidadãos que não representavam órgãos de Estado. Seus crimes, como bem salientou no 1º voto no STF, do ministro Nunes Marques, foram de deterioração de patrimônio tombado e dano qualificado pela violência e grave ameaça.”
No nosso entendimento, a manifestação do ex-Ministro Aldo Rebelo faz todo o sentido e colocaria a questão do “8 de janeiro” na primeira instância da Justiça, onde os direitos dos réus ao devido processo legal seriam restabelecidos.
Liberdade de Expressão
Um segundo caso, o mal-estar trazido pela publicação dos “Twitter Papers”, trouxe para a atenção da sociedade a questão raiz, que garante a existência da democracia, à qual já estávamos habituados como algo natural e gratuito: liberdade de expressão.
O receituário jurídico do Brasil tem dois institutos que, somados, se constituem em excelentes pilares para amparar este precioso conceito: a Constituição que garante a liberdade de expressão, mas veda o anonimato, e, o Marco Civil da Internet, aprovado em 2014, que regula princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no país.
De repente, esses pilares foram desconsiderados e o que seria “natural e gratuito” passou a ser “perigoso”. Novamente, o STF, agora junto com o TSE, declarou-se árbitro do que pode ou não pode ser dito nas redes sociais. Banimentos, prisões de indivíduos ou grupos, multas, confisco de passaporte, censura prévia, busca e apreensões passaram a assombrar comunicadores e políticos, além dos operadores das redes.
Mensagens que estivessem veiculando expressões do lado errado da polarização seriam rotuladas de “discursos de ódio”. O tratamento, em geral decidido monocraticamente, também atingiu personalidades internacionais, variando de um jornalista português ao magnata proprietário do X.
A lógica inevitável: motivações políticas estão determinando a intensidade e formato dos ataques do Poder Judiciário à liberdade de expressão. E isto vai progredir, em desfavor da sociedade, na medida em que o Poder Executivo se mostre cada vez mais disposto a governar com o Poder Judiciário, onde julga ter aliados e não juízes.
Senhoras e Senhores congressistas, temos saudades de outros tempos. Lá está registrada uma notável passagem do Presidente Juscelino Kubitschek:
Tinha um encontro com estudantes, num auditório no Palácio da Liberdade. Eles estavam agitados e, quando o Presidente se apresentou para iniciar seu pronunciamento, uma vaia tomou conta da plateia. Ele ficou parado e calmamente esperou um bom tempo, até que as vaias foram se aquietando. Quando o silêncio se fez, ele disse:
Seguiu-se uma estrondosa salva de palmas.
É para isso que existe a liberdade de expressão. Para que sejamos um povo feliz. Será um retrocesso inimaginável para o povo brasileiro, nossa pátria entrar para a lista dos países que desistiram da democracia. Os senhores têm o poder para deter esse processo: desde manifestações nas tribunas e em suas redes sociais, passando por obstruções de pautas, submissão de Propostas de Emenda à Constituição, Projetos de Lei, Decretos Legislativos e outras peças sob sua competência e até uma possível ativação de processos de impeachment de Ministros do STF.
Não queremos estar na lista dos países que deixaram a democracia morrer, na próxima edição do livro “Porque as Democracias Morrem”.
Assinam os membros do Conselho e Diretoria do Movimento GRITA!
Americo Richieri Filho
Arnaldo Coutinho
Carlos Roberto Teixeira
Cassio Taniguchi
Fabio Augusto Kupper
Guy de Manuel
Jackson Vasconcelos
Luiz Maria Esmanhoto
Manoel Afonso Loyola e Silva
Raul Antônio Del Fiol
Roberto Heinrich
NOTAS
1) Aldo Rebelo foi Deputado Federal por São Paulo durante cinco mandatos pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), sendo presidente da Câmara entre 2005 e 2007. Durante os governos Lula e Dilma Rousseff, foi ministro da Defesa, da Ciência, Tecnologia e Inovação, do Esporte e de Coordenação Política e Assuntos Institucionais.
2) Artigo disponível no link
https://www.poder360.com.br/opiniao/o-golpe-de-estado-e-a-cunhada-de-tiberio/